O laboratório do terror soviético

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A União Soviética, que hoje não é nada mais do que uma infeliz lembrança, já foi uma das maiores potências do mundo, com poder bélico que se equiparasse ou até ultrapassasse o dos EUA em um certo tempo. É sabido que o conceito de “democracia” naquele regime, que cerceava a liberdade do indivíduo, era totalmente diferente do nosso de hoje em dia.

Sabemos também dos fuzilamentos, das milhões de execuções e dos milhares de assassinatos em nome do comunismo. Mas não sabíamos – e provavelmente ainda não sabemos – de tudo de ruim que acontecia na União Soviética. E o que encontraram em Sukhumi, capital da Abecásia, só mancha ainda mais a história trágica e violenta de uma ditadura que marcou milhões de vidas.
O texto abaixo é uma tradução e síntese do artigo Stalin’s space monkeys (“Os macacos espaciais de Stalin”), escrito por um repórter investigativo anônimo do jornal The Independent, que encontrou um laboratório onde eventos verdadeiramente desumanos ocorreram. Confira o texto e tente não ficar impressionado com o que foi encontrado nessa antiga construção soviética:
“Numa antiga estação ferroviária – agora um local deserto, coberto de ervas daninhas – há uma escada de concreto longo, protegida por vegetação sub-tropical, que sobe até uma coleção de edifícios, muitos deles com buracos e marcas de disparos e bombas.
A primeira coisa a ser registrada é o cheiro pútrido de fezes de animais, e em seguida, a partir do interior de um edifício, um grito que soa como uma criança sendo torturada incomoda os ouvidos. Gaiola após gaiola de macacos, quase 300 no total, roendo cascas de frutas e correndo dentro de suas pequenas jaulas.
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Isso é o que resta do Instituto de Patologia e Terapia Experimental, o primeiro centro de testes em primatas no mundo, e possivelmente o local de uma experiência stalinista macabra para reproduzir um híbrido de humano e macaco. Situado entre palmeiras e vegetação exuberante em uma colina perto do centro de Sukhumi, já foi a inveja do Ocidente. Seus experimentos comportamentais e médicos o configuraram na vanguarda de inovadoras descobertas no campo médico, como também em treinamentos de macacos para viagens espaciais.
Mas os anos da perestroika de Mikhail Gorbachev, e em seguida, a guerra da Geórgia-Abecásia, teve um forte impacto sobre o local. A maioria de seus cientistas fugiram do local e fundaram um novo centro na Rússia, junto com a maioria dos macacos que não foram mortos. O que resta hoje é uma sombra macabra da antiga glória do instituto.
Diz a lenda que o instituto, que foi inaugurado em 1927, nasceu de um plano secreto soviético para criar um híbrido homem-macaco que viria a ser um super-homem soviético e impulsionaria a União Soviética à frente do Ocidente. A elite soviética supostamente queria criar um protótipo de trabalhador que seria desumanamente forte e mentalmente lerdo e frágil, para realizar o trabalho fatigante de industrialização pelas vastas extensões do território soviético.
Cientistas do Instituto de hoje admitem que estas experiências realmente ocorreram no por lá, apesar de negarem que era parte de um plano global para a criação de uma nova raça. Os testes foram realizados por Ilya Ivanov, um biólogo russo eminente que também colaborou com o Instituto Pasteur de Paris. Em torno da virada do século, ele aperfeiçoou a técnica de inseminação artificial de éguas, e também havia produzido cruzamentos entre várias espécies diferentes. Ao mesmo tempo, a Europa estava obcecada com idéias de eugenia, e os soviéticos estavam se esforçando para provar de uma vez por todas que o darwinismo tinha substituído a religião.
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“O Professor Ivanov começou essas experiências na África e as continuou aqui em Sukhumi”, diz Vladimir Barkaya, que começou no instituto em 1961 e hoje é diretor científico. “Ele pegou o esperma de machos humanos e injetou em chimpanzés fêmeas, embora isso não tenha dado em nada.” Barkaya nega que esperma de macacos foi usado em fêmeas humanas, embora seja fato que houve cartas recebidas pela instituição por pessoas de ambos os sexos, que se ofereciam para participar dos experimentos.
Com o tempo, o instituto evoluiu de ficção científica para a prática baseada em evidências. O trabalho no instituto foi fundamental para a criação de uma vacina contra a pólio, e seus cientistas trabalharam em todas as principais doenças do século 20.
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O nome de um homem é o sinônimo desse centro. Boris Lapin nasceu em 1921 e depois de uma virada heroica na Segunda Guerra Mundial, começou a trabalhar para o laboratório de Sukhumi em 1949. Em 1959, foi nomeado diretor do instituto, onde trabalhou até 1992, quando foi deflagrada a guerra entre a Abecásia e a Geórgia. Ele fugiu junto com a maioria dos cientistas e macacos através da fronteira com a Rússia. Apesar de estar perto de seus 90 anos de idade, ele ainda comanda o instituto criado em Adler, na Rússia. “Minha maior conquista ao longo de todo esse tempo é que fomos capazes de construir o instituto a partir do zero de novo”, diz ele, dentro de seu escritório em Adler.
Na década de 1950, enquanto Professor Lapin foi tomando conta do instituto, o resto do mundo ficou sabendo sobre os testes aos quais os macacos estavam sendo sujeitos em Sukhumi. “Na época do Sputnik, houve uma enorme quantidade de curiosidade no Ocidente sobre o que mais os soviéticos podem estar tramando nos campos da ciência e da tecnologia”, diz Douglas Bowden, um primatologista americano que tinha colaborado com o Sukhumi, hoje ainda com o atual laboratório em Adler, desde 1962. Uma comissão de especialistas chefiada pelo médico pessoal do presidente Dwight Eisenhower foi para a União Soviética em 1957 e visitou Sukhumi. “Eles ficaram tão impressionados com o que encontraram lá que, quando eles voltaram para os EUA, recomendaram a Eisenhower que um instituto semelhante deveria ser criado nos EUA.” No final, sete centros foram criados no país.
Conforme o tempo passava, o centro também ficou intimamente envolvido com o programa espacial soviético, e com a formação de seis macacos para enviar para o espaço. “Nós tínhamos de ter certeza de que aqueles fossem macacos inteligentes o suficiente para realizarem todas as suas funções no espaço”, diz o professor Lapin. “Nem todo macaco era capaz desse tipo de coisa.” Depois que os macacos decolaram, os funcionários do centro iriam vê-los na televisão em Sukhumi.
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Depois veio o colapso da União Soviética, que foi um desastre para os cientistas de todo o vasto império. Deixaram de ser o orgulho do país, e passaram a ser negligenciados e ficaram com pouco financiamento. “Eram tempos terríveis”, diz o professor Barkaya. “Muitos macacos morreram, e muitas pessoas também. Não tínhamos nada para alimentar os macacos, e não havia eletricidade ou aquecimento. Muitos deles simplesmente congelaram até a morte.”
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“É claro que estamos conscientes das dificuldades e barreiras éticas”, diz o professor Lapin. “Mas em alguns casos, os macacos são os únicos animais que podemos usar.”
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